terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Pensamento Condicionado

Do banho ao telefone não iriam mais do que oito passos. Vamos lá, dez, bem contados. E se a pressa não era grande em atender é certo também que ninguém gosta de ficar a ouvir por muito tempo o som incomodativo de um telefone a tocar, mesmo que se tratem dos moderníssimos toques polifónicos. Mas se a distancia é curta para a acção não o é para pensamento, esse verdadeiro paradigma da velocidade. Imaginem o Usain Bolt quando acaba de correr os 100 metros, olhar para trás e parecer-lhe que os outros ainda nem partiram. É assim, tal e qual, o pensamento, um verdadeiro Usain Bolt da mente. E naquele espaço de tempo, dez passos do banho ao telefone, o pensamento de Andrea seria capaz de escrever o argumento de um filme. Em boa verdade ele escreveria, até, o argumento de dois. Se for Ruben declinarei o convite, perdon cariño, dir-lhe-ei que me doi a cabeça, pensou como quem diz que hoje não estaria disposta a discutir com ele nem as causas nem tão pouco as consequências da guerra dos cem anos e embora as introduções históricas de Ruben, ao jantar, conduzissem sempre a uma grandiosa noite de champanhe e sexo, hoje não seria o seu dia, pero, aqui nem em pensamento conseguiu abdicar da sua língua materna uma vez que deveria ter pensado mas, mas não, pensou mesmo pero, aliás ela também já tinha pensado perdon cariño, em vez de desculpa meu amor, como se pensa em português, uma meia dúzia de linhas acima, Pero, pensou de novo devido ao chato do narrador estar sempre com apartes, se for Pêpê vou sair, depois deste ainda me apetece tomar um banho de chuva, terá pensado também, já que este calor insuportável, apesar da corrente de ar já em tempos falada, ameaçava, dizem os antigos e muito bem, ameaçava trovoadas. Passear a pé entre arquitecturas de madeira numa rua sem passeio, fumar um cigarro, queimar-me de beijos e pensar que reconheço o sítio, esta sensação, este déjà vu, embebedar-me de chuva e malte.

Estou? É a Senhora D. Andreia, Andrea sim, ela mismo diga-me (ler diga-mé com sotaque e salero, vá lá, não custa nada), D. Andreia é só para avisar que o nosso técnico de ar condicionado estará por aí, amanhã entre as onze e o meio-dia. Pode providenciar alguém para o receber? Desligaram ao fim de quarenta e sete segundos de conversa. Andrea emergiu num terceiro pensamento. Condicionado.

5 comentários:

  1. Muito condicionado....pero!! Gostei do salero! Beijos.

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  2. Dá uma raiva quando não é nenhuma das deliciosas alternativas que pensamos entre o banho e o telefone...

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  3. Quantos são os nossos pensamentos condicionados por nós mesmos, que nos frustam ao final de um caminhada, mas quando eles se concretizam, que felicidade.


    Abraços
    aurasacrafames.blogspot.com

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  4. Receber por obrigação condiciona os planos de salero de qualquer uma. ;)

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  5. Por supuesto... :)) Foi assim um duche frio depois do banho. Beijos

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